terça-feira, 4 de novembro de 2008

O papel do trabalho na transformação do macaco em homem

Engels, 1876.
O trabalho é a fonte de toda riqueza, afirmam os economistas. Assim é, com efeito, ao lado da natureza, encarregada de fornecer os materiais que ele converte em riqueza. O trabalho, porém, é muitíssimo mais do que isso. É a condição básica e fundamental de toda a vida humana. E em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem.
Há muitas centenas de milhares de anos, numa época, ainda não estabelecida em definitivo, daquele período do desenvolvimento da Terra que os geólogos denominam terciário, provavelmente em fins desse período, vivia em algum lugar da zona tropical — talvez em um extenso continente hoje desaparecido nas profundezas do Oceano Indico — uma raça de macacos antropomorfos extraordinariamente desenvolvida. Darwin nos deu uma descrição aproximada desses nossos antepassados. Eram totalmente cobertos de pelo, tinham barba, orelhas pontiagudas, viviam nas árvores e formavam manadas.
É de supor que, como conseqüência direta de seu gênero de vida, devido ao qual as mãos, ao trepar, tinham que desempenhar funções distintas das dos pés, esses macacos foram-se acostumando a prescindir de suas mãos ao caminhar pelo chão e começaram a adotar cada vez mais uma posição ereta. Foi o passo decisivo para a transição do macaco ao homem.
Todos os macacos antropomorfos que existem hoje podem permanecer em posição erecta e caminhar apoiando-se unicamente sobre seus pés; mas o fazem só em casos de extrema necessidade e, além disso, com enorme lentidão. Caminham habitualmente em atitude semi-erecta, e sua marcha inclui o uso das mãos. A maioria desses macacos apóiam no solo os dedos e, encolhendo as pernas, fazem avançar o corpo por entre os seus largos braços, como um paralítico que caminha com muletas. Em geral, podemos ainda hoje observar entre os macacos todas as formas de transição entre a marcha a quatro patas e a marcha em posição erecta. Mas para nenhum deles a posição erecta vai além de um recurso circunstancial.
E posto que a posição erecta havia de ser para os nossos peludos antepassados primeiro uma norma, e logo uma necessidade, dai se depreende que naquele período as mãos tinham que executar funções cada vez mais variadas. Mesmo entre os macacos existe já certa divisão de funções entre os pés e as mãos. Como assinalamos acima, enquanto trepavam as mãos eram utilizadas de maneira diferente que os pés. As mãos servem fundamentalmente para recolher e sustentar os alimentos, como o fazem já alguns mamíferos inferiores com suas patas dianteiras. Certos macacos recorrem às mãos para construir ninhos nas árvores; e alguns, como o chimpanzé, chegam a construir telhados entre os ramos, para defender-se das inclemências do tempo. A mão lhes serve para empunhar garrotes, com os quais se defendem de seus inimigos, ou para os bombardear com frutos e pedras. Quando se encontram prisioneiros realizam com as mãos várias operações que copiam dos homens. Mas aqui precisamente é que se percebe quanto é grande a distância que separa a mão primitiva dos macacos, inclusive os antropóides mais superiores, da mão do homem, aperfeiçoada pelo trabalho durante centenas de milhares de anos. O número e a disposição geral dos ossos e dos músculos são os mesmos no macaco e no homem, mas a mão do selvagem mais primitivo é capaz de executar centenas de operações que não podem ser realizadas pela mão de nenhum macaco. Nenhuma mão simiesa construiu jamais um machado de pedra, por mais tosco que fosse.
Por isso, as funções, para as quais nossos antepassados foram adaptando pouco a pouco suas mãos durante os muitos milhares de anos em que se prolongam o período de transição do macaco ao homem, só puderam ser, a princípio, funções sumamente simples. Os selvagens mais primitivos, inclusive aqueles nos quais se pode presumir o retorno a um estado mais próximo da animalidade, com uma degeneração física simultânea, são muito superiores àqueles seres do período de transição. Antes de a primeira lasca de sílex ter sido transformada em machado pela mão do homem, deve ter sido transcorrido um período de tempo tão largo que, em comparação com ele, o período histórico por nós conhecido torna-se insignificante. Mas já havia sido dado o passo decisivo: a mão era livre e podia agora adquirir cada vez mais destreza e habilidade; e essa maior flexibilidade adquirida transmitia-se por herança e aumentava de geração em geração.
Vemos, pois, que a mão não é apenas o órgão do trabalho; é também produto dele. Unicamente pelo trabalho, pela adaptação a novas e novas funções, pela transmissão hereditária do aperfeiçoamento especial assim adquirido pelos músculos e ligamentos e, num período mais amplo, também pelos ossos; unicamente pela aplicação sempre renovada dessas habilidades transmitidas a funções novas e cada vez mais complexas foi que a mão do homem atingiu esse grau de perfeição que pôde dar vida, como por artes de magia, aos quadros de Rafael, às estátuas de Thorwaldsen e à música de Paganini.
Mas a mão não era algo com existência própria e independente. Era unicamente um membro de um organismo íntegro e sumamente complexo. E o que beneficiava à mão beneficiava também a todo o corpo servido por ela; e o beneficiava em dois aspectos.
Primeiramente, em virtude da lei que Darwin chamou de correlação do crescimento. Segundo essa lei, certas formas das diferentes partes dos seres orgânicos sempre estão ligadas a determinadas formas de outras partes, que aparentemente não têm nenhuma relação com as primeiras. Assim, todos os animais que possuem glóbulos vermelhos sem núcleo e cujo occipital está articulado com a primeira vértebra por meio de dois côndilos, possuem, sem exceção, glândulas mamárias para a alimentação de suas crias. Assim também, a úngula fendida de alguns mamíferos está ligada de modo geral à presença de um estômago multilocular adaptado à ruminação. As modificações experimentadas por certas formas provocam mudanças na forma de outras partes do organismo, sem que estejamos em condições de explicar tal conexão. Os gatos totalmente brancos e de olhos azuis são sempre ou quase sempre surdos. O aperfeiçoamento gradual da mão do homem e a adaptação concomitante dos pés ao andar em posição erecta exerceram indubitavelmente, em virtude da referida correlação, certa influência sobre outras partes do organismo. Contudo, essa ação se acha ainda tão pouco estudada que aqui não podemos senão assinalá-la em termos gerais.
Muito mais importante é a ação direta — possível de ser demonstrada — exercida pelo desenvolvimento da mão sobre o resto do organismo. Como já dissemos, nossos antepassados simiescos eram animais que viviam em manadas; evidentemente, não é possível buscar a origem do homem, o mais social dos animais, em antepassados imediatos que não vivessem congregados. Em face de cada novo progresso, o domínio sobre a natureza, que tivera início com o desenvolvimento da mão, com o trabalho, ia ampliando os horizontes do homem, levando-o a descobrir constantemente nos objetos novas propriedades até então desconhecidas. Por outro lado, o desenvolvimento do trabalho, ao multiplicar os casos de ajuda mútua e de atividade conjunta, e ao mostrar assim as vantagens dessa atividade conjunta para cada indivíduo, tinha que contribuir forçosamente para agrupar ainda mais os membros da sociedade. Em resumo, os homens em formação chegaram a um ponto em que tiveram necessidade de dizer algo uns aos outros. A necessidade criou o órgão: a laringe pouco desenvolvida do macaco foi-se transformando, lenta mas firmemente, mediante modulações que produziam por sua vez modulações mais perfeitas, enquanto os órgãos da boca aprendiam pouco a pouco a pronunciar um som articulado após outro.
A comparação com os animais mostra-nos que essa explicação da origem da linguagem a partir do trabalho e pelo trabalho é a única acertada. O pouco que os animais, inclusive os mais desenvolvidos, têm que comunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso da palavra articulada. Nenhum animal em estado selvagem sente-se prejudicado por sua incapacidade de falar ou de compreender a linguagem humana. Mas a situação muda por completo quando o animal foi domesticado pelo homem. O contato com o homem desenvolveu no cão e no cavalo um ouvido tão sensível à linguagem articulada que esses animais podem, dentro dos limites de suas representações, chegar a compreender qualquer idioma. Além disso, podem chegar a adquirir sentimentos antes desconhecidos por eles, como o apego ao homem, o sentimento de gratidão, etc. Quem conheça bem esses animais dificilmente poderá escapar à convicção de que, em muitos casos, essa incapacidade de falar é experimentada agora por eles como um defeito. Desgraçadamente, esse defeito não tem remédio, pois os seus órgãos vocais se acham demasiado especializados em determinada direção. Contudo, quando existe um órgão apropriado, essa incapacidade pode ser superada dentro de certos limites. Os órgãos vocais das aves distinguem-se em forma radical dos do homem e, no entanto, as aves são os únicos animais que podem aprender a falar; e o animal de voz mais repulsiva, o papagaio, é o que melhor fala. E não importa que se nos objete dizendo-nos que o papagaio não sabe o que fala. Claro está que por gosto apenas de falar e por sociabilidade o papagaio pode estar horas e horas repetindo todo o seu vocabulário. Mas, dentro do marco de suas representações, pode chegar também a compreender o que diz. Ensinai a um papagaio dizer palavrões (uma das distrações favoritas dos marinheiros que regressam das zonas quentes) e vereis logo que se o irritardes ele fará uso desses palavrões com a mesma correção de qualquer verdureira de Berlim. E o mesmo ocorre com o pedido de gulodices.
Primeiro o trabalho, e depois dele e com ele a palavra articulada, foram os dois estímulos principais sob cuja influência o cérebro do macaco foi-se transformando gradualmente em cérebro humano — que, apesar de toda sua semelhança, supera-o consideravelmente em tamanho e em perfeição. E à medida em que se desenvolvia o cérebro, desenvolviam-se também seus instrumentos mais imediatos: os órgãos dos sentidos. Da mesma maneira que o desenvolvimento gradual da linguagem está necessariamente acompanhado do correspondente aperfeiçoamento do órgão do ouvido, assim também o desenvolvimento geral do cérebro está ligado ao aperfeiçoamento de todos os Órgãos dos sentidos. A vista da águia tem um alcance muito maior que a do homem, mas o olho humano percebe nas coisas muitos mais detalhes que o olho da águia. O cão tem um olfato muito mais fino que o do homem, mas não pode captar nem a centésima parte dos odores que servem ao homem como sinais para distinguir coisas diversas. E o sentido do tato, que o macaco possui a duras penas na forma mais tosca e primitiva, foi-se desenvolvendo unicamente com o desenvolvimento da própria mão do homem, através do trabalho.
O desenvolvimento do cérebro e dos sentidos a seu serviço, a crescente clareza de consciência, a capacidade de abstração e de discernimento cada vez maiores, reagiram por sua vez sobre o trabalho e a palavra, estimulando mais e mais o seu desenvolvimento. Quando o homem se separa definitivamente do macaco esse desenvolvimento não cessa de modo algum, mas continua, em grau diverso e em diferentes sentidos entre os diferentes povos e as diferentes épocas, interrompido mesmo às vezes por retrocessos de caráter local ou temporário, mas avançando em seu conjunto a grandes passos, consideravelmente impulsionado e, por sua vez, orientado em um determinado sentido por um novo elemento que surge com o aparecimento do homem acabado: a sociedade.
Foi necessário, seguramente, que transcorressem centenas de milhares de anos — que na história da Terra têm uma importância menor que um segundo na vida de um homem — antes que a sociedade humana surgisse daquelas manadas de macacos que trepavam pelas árvores. Mas, afinal, surgiu. E que voltamos a encontrar como sinal distintivo entre a manada de macacos e a sociedade humana? Outra vez, o trabalho. A manada de macacos contentava-se em devorar os alimentos de uma área que as condições geográficas ou a resistência das manadas vizinhas determinavam. Transportava-se de um lugar para outro e travava lutas com outras manadas para conquistar novas zonas de alimentação; mas era incapaz de extrair dessas zonas mais do que aquilo que a natureza generosamente lhe oferecia, se excetuarmos a ação inconsciente da manada ao adubar o solo com seus excrementos. Quando foram ocupadas todas as zonas capazes de proporcionar alimento, o crescimento da população simiesca tornou-se já impossível; no melhor dos casos o número de seus animais mantinha-se no mesmo nível Mas todos os animais são uns grandes dissipadores de alimentos; além disso, com freqüência, destroem em germe a nova geração de reservas alimentícias. Diferentemente do caçador, o lobo não respeita a cabra montês que lhe proporcionaria cabritos no ano seguinte; as cabras da Grécia, que devoram os jovens arbustos antes de poder desenvolver-se, deixaram nuas todas as montanhas do pais. Essa “exploração rapace” levada a efeito pelos animais desempenha um grande papel na transformação gradual das espécies, ao obrigá-las a adaptar-se a alimentos que não são os habituais para elas, com o que muda a composição química de seu sangue e se modifica toda a constituição física do animal; as espécies já plasmadas desaparecem. Não há dúvida de que essa exploração rapace contribuiu em alto grau para a humanização de nossos antepassados, pois ampliou o número de plantas e as partes das plantas utilizadas na alimentação por aquela raça de macacos que superava todas as demais em inteligência e em capacidade de adaptação. Em uma palavra, a alimentação, cada vez mais variada, oferecia ao organismo novas e novas substâncias, com o que foram criadas as condições químicas para a transformação desses macacos em seres humanos. Mas tudo isso não era trabalho no verdadeiro sentido da palavra. O trabalho começa com a elaboração de instrumentos. E que representam os instrumentos mais antigos, a julgar pelos restos que nos chegaram dos homens pré-históricos, pelo gênero de vida dos povos mais antigos registrados pela história, assim como pelo dos selvagens atuais mais primitivos? São instrumentos de caça e de pesca, sendo os primeiros utilizados também como armas. Mas a caça e a pesca pressupõem a passagem da alimentação exclusivamente vegetal à alimentação mista, o que significa um novo passo de sua importância na transformação do macaco em homem. A alimentação cárnea ofereceu ao organismo, em forma quase acabada, os ingredientes mais essenciais para o seu metabolismo. Desse modo abreviou o processo da digestão e outros processos da vida vegetativa do organismo (isto é, os processos análogos ao da vida dos vegetais), poupando, assim, tempo, materiais e estímulos para que pudesse manifestar-se ativamente a vida propriamente animal. E quanto mais o homem em formação se afastava do reino vegetal, mais se elevava sobre os animais. Da mesma maneira que o hábito da alimentação mista converteu o gato e o cão selvagens em servidores do homem, assim também o hábito de combinar a carne com a alimentação vegetal contribuiu poderosamente para dar força física e independência ao homem em formação. Mas onde mais se manifestou a influência da dieta cárnea foi no cérebro, que recebeu assim em quantidade muito maior do que antes as substâncias necessárias à sua alimentação e desenvolvimento, com o que se foi tomando maior e mais rápido o seu aperfeiçoamento de geração em geração. Devemos reconhecer — e perdoem os senhores vegetarianos — que não foi sem ajuda da alimentação cárnea que o homem chegou a ser homem; e o fato de que, em uma ou outra época da história de todos os povos conhecidos, o emprego da carne na alimentação tenha chegado ao canibalismo (ainda no século X os antepassados dos berlinenses, os veletabos e os viltses, devoravam os seus progenitores) é uma questão que não tem hoje para nós a menor importância.
O consumo de carne na alimentação significou dois novos avanços de importância decisiva: o uso do fogo e a domesticação dos animais. O primeiro reduziu ainda mais o processo da digestão, já que permitia levar a comida à boca, como se disséssemos, meio digerida; o segundo multiplicou as reservas de carne, pois agora, ao lado da caça, proporcionava uma nova fonte para obtê-la em forma mais regular. A domesticação de animais também proporcionou, com o leite e seus derivados, um novo alimento, que era pelo menos do mesmo valor que a carne quanto à composição. Assim, esses dois adiantamentos converteram-se diretamente para o homem em novos meios de emancipação. Não podemos deter-nos aqui em examinar minuciosamente suas conseqüências.
O homem, que havia aprendido a comer tudo o que era comestível, aprendeu também, da mesma maneira, a viver em qualquer clima. Estendeu-se por toda a superfície habitável da Terra, sendo o único animal capaz de fazê-lo por iniciativa própria. Os demais animais que se adaptaram a todos os climas — os animais domésticos e os insetos parasitas —não o conseguiram por si, mas unicamente acompanhando o homem. E a passagem do clima uniformemente cálido da pátria original para zonas mais frias, onde o ano se dividia em verão e inverno, criou novas exigências, ao obrigar o homem a procurar habitação e a cobrir seu corpo para proteger-se do frio e da umidade. Surgiram assim novas esferas de trabalho, e com elas novas atividades, que afastaram ainda mais o homem dos animais.
Graças à cooperação da mão, dos órgãos da linguagem e do cérebro, não só em cada indivíduo, mas também na sociedade, os homens foram aprendendo a executar operações cada vez mais complexas, a propor-se e alcançar objetivos cada vez mais elevados. O trabalho mesmo se diversificava e aperfeiçoava de geração em geração, estendendo-se cada vez a novas atividades. A caça e à pesca veio juntar-se a agricultura, e mais tarde a fiação e a tecelagem, a elaboração de metais, a olaria e a navegação. Ao lado do comércio e dos ofícios apareceram, finalmente, as artes e as ciências; das tribos saíram as nações e os Estados. Apareceram o direito e a política, e com eles o reflexo fantástico das coisas no cérebro do homem: a religião. Frente a todas essas criações, que se manifestavam em primeiro lugar como produtos do cérebro e pareciam dominar as sociedades humanas, as produções mais modestas, fruto do trabalho da mão, ficaram relegadas a segundo plano, tanto mais quanto numa fase muito recuada do desenvolvimento da sociedade (por exemplo, já na família primitiva), a cabeça que planejava o trabalho já era capaz de obrigar mãos alheias a realizar o trabalho projetado por ela. O rápido progresso da civilização foi atribuído exclusivamente à cabeça, ao desenvolvimento e à atividade do cérebro. Os homens acostumaram-se a explicar seus atos pelos seus pensamentos, em lugar de procurar essa explicação em suas necessidades (refletidas, naturalmente, na cabeça do homem, que assim adquire consciência delas). Foi assim que, com o transcurso do tempo, surgiu essa concepção idealista do mundo que dominou o cérebro dos homens, sobretudo a partir do desaparecimento do mundo antigo, e continua ainda a dominá-lo, a tal ponto que mesmo os naturalistas da escola darwiniana mais chegados ao materialismo são ainda incapazes de formar uma idéia clara acerca da origem do homem, pois essa mesma influência idealista lhes impede de ver o papel desempenhado aqui pelo trabalho.
Os animais, como já indicamos de passagem, também modificam com sua atividade a natureza exterior, embora não no mesmo grau que o homem; e essas modificações provocadas por eles no meio ambiente repercutem, como vimos, em seus causadores, modificando-os por sua vez. Nada ocorre na natureza em forma isolada. Cada fenômeno afeta a outro, e é por seu turno influenciado por este; e é em geral o es. esquecimento desse movimento e dessa interação universal o que impede a nossos naturalistas perceber com clareza as coisas mais simples. Já vimos como as cabras impediram o reflorestamento dos bosques na Grécia; em Santa Helena, as cabras e os porcos desembarcados pelos primeiros navegantes chegados à ilha exterminaram quase por completo a vegetação ali existente, com o que prepararam o terreno para que pudessem multiplicar-se as plantas levadas mais tarde por outros navegantes e colonizadores. Mas a influência duradoura dos animais sobre a natureza que os rodeia é inteiramente involuntária e constitui, no que se refere aos animais, um fato acidental. Mas, quanto mais os homens se afastam dos animais, mais sua influência sobre a natureza adquire um caráter de uma ação intencional e planejada, cujo fim é alcançar objetivos projetados de antemão. Os animais destroçam a vegetação do lugar sem dar-se conta do que fazem. Os homens, em troca, quando destroem a vegetação o fazem com o fim de utilizar a superfície que fica livre para semear trigo, plantar árvores ou cultivar a videira, conscientes de que a colheita que irão obter superará várias vezes o semeado por eles. O homem traslada de um pais para outro plantas úteis e animais domésticos, modificando assim a flora e a fauna de continentes inteiros. Mais ainda: as plantas e os animais, cultivadas aquelas e criados estes em condições artificiais, sofrem tal influência da mão do homem que se tornam irreconhecíveis.
Não foram até hoje encontrados os antepassados silvestres de nossos cultivos cerealistas. Ainda não foi resolvida a questão de saber qual o animal que deu origem aos nossos cães atuais, tão diferentes uns de outros, ou às atuais raças de cavalos, também tão numerosos. Ademais, compreende-se de logo que não temos a intenção de negar aos animais a faculdade de atuar em forma planificada, de um modo premeditado. Ao contrário, a ação planificada existe em germe onde quer que o protoplasma — a albumina viva — exista e reaja, isto é, realize determinados movimentos, embora sejam os mais simples, em resposta a determinados estímulos do exterior. Essa reação se produz, não digamos já na célula nervosa, mas inclusive quando ainda não há célula de nenhuma espécie. O ato pelo qual as plantas insetívoras se apoderam de sua presa aparece também, até certo ponto, como um ato planejado, embora se realize de um modo totalmente inconsciente. A possibilidade de realizar atos conscientes e premeditados desenvolve-se nos animais em correspondência com o desenvolvimento do sistema nervoso e adquire já nos mamíferos um nível bastante elevado. Durante as caçadas organizadas na Inglaterra pode-se observar sempre a infalibilidade com que a raposa utiliza seu perfeito conhecimento do lugar para ocultar-se aos seus perseguidores, e como conhece e sabe aproveitar muito bem todas as vantagens do terreno para despistá-los. Entre nossos animais domésticos, que chegaram a um grau mais alto de desenvolvimento graças à sua convivência com o homem podem ser observados diariamente atos de astúcia, equiparáveis aos das crianças, pois do mesmo modo que o desenvolvimento do embrião humano no ventre materno é uma réplica abreviada de toda a história do desenvolvimento físico seguido através de milhões de anos pelos nossos antepassados do reino animal, a partir do estado larval, assim também o desenvolvimento espiritual da criança representa uma réplica, ainda mais abreviada, do desenvolvimento intelctual desses mesmos antepassados, pelo menos dos mais próximos. Mas nem um só ato planificado de nenhum animal pôde imprimir na natureza o selo de sua vontade. Só o homem pôde fazê-lo.
Resumindo: só o que podem fazer os animais é utilizar a natureza e modificá-la pelo mero fato de sua presença nela. O homem, ao contrário, modifica a natureza e a obriga a servir-lhe, domina-a. E ai está, em última análise, a diferença essencial entre o homem e os demais animais, diferença que, mais uma vez, resulta do trabalho.
Contudo, não nos deixemos dominar pelo entusiasmo em face de nossas vitórias sobre a natureza. Após cada uma dessas vitórias a natureza adota sua vingança. É verdade que as primeiras conseqüências dessas vitórias são as previstas por nós, mas em segundo e em terceiro lugar aparecem conseqüências muito diversas, totalmente imprevistas e que, com freqüência, anulam as primeiras. Os homens que na Mesopotâmia, na Grécia, na Ásia Menor e outras regiões devastavam os bosques para obter terra de cultivo nem sequer podiam imaginar que, eliminando com os bosques os centros de acumulação e reserva de umidade, estavam assentando as bases da atual aridez dessas terras. Os italianos dos Alpes, que destruíram nas encostas meridionais os bosques de pinheiros, conservados com tanto carinho nas encostas setentrionais, não tinham idéia de que com isso destruíam as raízes da indústria de laticínios em sua região; e muito menos podiam prever que, procedendo desse modo, deixavam a maior parte do ano secas as suas fontes de montanha, com o que lhes permitiam, chegado o período das chuvas, despejar com maior fúria suas torrentes sobre a planície. Os que difundiram o cultivo da batata na Europa não sabiam que com esse tubérculo farináceo difundiam por sua vez a escrofulose. Assim, a cada passo, os fatos recordam que nosso domínio sobre a natureza não se parece em nada com o domínio de um conquistador sobre o povo conquistado, que não é o domínio de alguém situado fora da natureza, mas que nós, por nossa carne, nosso sangue e nosso cérebro, pertencemos à natureza, encontramo-nos em seu seio, e todo o nosso domínio sobre ela consiste em que, diferentemente dos demais seres, somos capazes de conhecer suas leis e aplicá-las de maneira adequada.
Com efeito, aprendemos cada dia a compreender melhor as leis da natureza e a conhecer tanto os efeitos imediatos como as conseqüências remotas de nossa intromissão no curso natural de seu desenvolvimento. Sobretudo depois dos grandes progressos alcançados neste século pelas ciências naturais, estamos em condições de prever e, portanto, de controlar cada vez melhor as remotas conseqüências naturais de nossos atos na produção, pelo menos dos mais correntes. E quanto mais isso seja uma realidade, mais os homens sentirão e compreenderão sua unidade com a natureza, e mais inconcebível será essa idéia absurda e antinatural da antítese entre o espírito e a matéria, o homem e a natureza, a alma e o corpo, idéia que começa a difundir-se pela Europa sobre a base da decadência da antigüidade clássica e que adquire seu máximo desenvolvimento no cristianismo.
Mas, se foram necessários milhares de anos para que o homem aprendesse, em certo grau, a prever as remotas conseqüências naturais no sentido da produção, muito mais lhe custou aprender a calcular as remotas conseqüências sociais desses mesmos atos. Falamos acima da batata e de seus efeitos quanto à difusão da escrofulose. Mas que importância pode ter a escrofulose, comparada com os resultados que teve a redução da alimentação dos trabalhadores a batatas puramente sobre as condições de vida das massas do povo de países inteiros, com a fome que se estendeu em 1847 pela Irlanda em conseqüência de uma doença provocada por esse tubérculo e que levou à sepultura um milhão de irlandeses que se alimentavam exclusivamente, ou quase exclusivamente, de batatas e obrigou a que emigrassem para além-mar outros dois milhões? Quando os árabes aprenderam a distilar o álcool, nem sequer ocorreu-lhes pensar que haviam criado uma das armas principais com que iria ser exterminada a população indígena do continente americano, então ainda desconhecido. E quando mais tarde Colombo descobriu a América não sabia que ao mesmo tempo dava nova vida à escravidão, há muito tempo desaparecida na Europa, e assentado as bases do tráfico dos negros. Os homens que nos séculos XVII e XVIII haviam trabalhado para criar a máquina a vapor não suspeitavam de que estavam criando um instrumento que, mais do que nenhum outro, haveria de subverter as condições sociais em todo o mundo e que, sobretudo na Europa, ao concentrar a riqueza nas mãos de uma minoria e ao privar de toda propriedade a imensa maioria da população, haveria de proporcionar primeiro o domínio social e político à burguesia, e provocar depois a luta de classe entre a burguesia e o proletariado, luta que só pode terminar com a liquidação da burguesia e a abolição de todos os antagonismos de classe. Mas também aqui, aproveitando uma experiência ampla, e às vezes cruel, confrontando e analisando os materiais proporcionados pela história, vamos aprendendo pouco a pouco a conhecer as conseqüências sociais indiretas e mais remotas de nossos atos na produção, o que nos permite estender também a essas conseqüências o nosso domínio e o nosso controle.
Contudo, para levar a termo esse controle é necessário algo mais do que o simples conhecimento. É necessária uma revolução que transforme por completo o modo de produção existente até hoje e, com ele, a ordem social vigente.
Todos os modos de produção que existiram até o presente só procuravam o efeito útil do trabalho em sua forma mais direta e Imediata. Não faziam o menor caso das conseqüências remotas, que só surgem mais tarde e cujos efeitos se manifestam unicamente graças a um processo de repetição e acumulação gradual. A primitiva propriedade comunal da terra correspondia, por um lado, a um estádio de desenvolvimento dos homens no qual seu horizonte era limitado, em geral, às coisas mais imediatas, e pressupunha, por outro lado, certo excedente de terras livres, que oferecia determinada margem para neutralizar os possíveis resultados adversos dessa economia primitiva. Ao esgotar-se o excedente de terras livres, começou a decadência da propriedade comunal. Todas as formas mais elevadas de produção que vieram depois conduziram à divisão da população em classes diferentes e, portanto, no antagonismo entre as classes dominantes e as classes oprimidas. Em conseqüência, os interesses das classes dominantes converteram-se no elemento propulsor da produção, enquanto esta não se limitava a manter, bem ou mal, a mísera existência dos oprimidos.
Isso encontra sua expressão mais acabada no modo de produção capitalista, que prevalece hoje na Europa ocidental. Os capitalistas individuais, que dominam a produção e a troca, só podem ocupar-se da utilidade mais imediata de seus atos. Mais ainda: mesmo essa utilidade — porquanto se trata da utilidade da mercadoria produzida ou trocada — passa inteiramente ao segundo plano, aparecendo como único incentivo o lucro obtido na venda.
* * *
A ciência social da burguesia, a economia política clássica, só se ocupa preferentemente daquelas conseqüências sociais que constituem o objetivo imediato dos atos realizados pelos homens na produção e na troca. Isso corresponde plenamente ao regime social cuja expressão teórica é essa ciência. Porquanto os capitalistas isolados produzem ou trocam com o único fim de obter lucros imediatos, só podem ser levados em conta, primeiramente, os resultados mais próximos e mais imediatos. Quando um industrial ou um comerciante vende a mercadoria produzida ou comprada por ele e obtém o lucro habitual, dá-se por satisfeito e não lhe interessa de maneira alguma o que possa ocorrer depois com essa mercadoria e seu comprador. O mesmo se verifica com as conseqüências naturais dessas mesmas ações. Quando, em Cuba, os plantadores espanhóis queimavam os bosques nas encostas das montanhas para obter com a cinza um adubo que só lhes permitia fertilizar uma geração de cafeeiros de alto rendimento pouco lhes importava que as chuvas torrenciais dos trópicos varressem a camada vegetal do solo, privada da proteção das arvores, e não deixassem depois de si senão rochas desnudas! Com o atual modo de produção, e no que se refere tanto às conseqüências naturais como às conseqüência sociais dos atos realizados pelos homens, o que interessa prioritariamente são apenas os primeiros resultados, os mais palpáveis. E logo até se manifesta estranheza pelo fato de as conseqüências remotas das ações que perseguiam esses fins serem multo diferentes e, na maioria dos casos, até diametralmente opostas; de a harmonia entre a oferta e a procura converter-se em seu antípoda, como nos demonstra o curso de cada um desses ciclos industriais de dez anos, e como puderam convencer-se disso os que com o “crack” viveram na Alemanha um pequeno prelúdio; de a propriedade privada baseada no trabalho próprio converter-se necessariamente, ao desenvolver-se, na ausência de posse de toda propriedade pelos trabalhadores, enquanto toda a riqueza se concentra mais e mais nas mãos dos que não trabalham; de [...] (2)

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Notas:
(1) Notas Sir William Thomson. grande autoridade na matéria, calculou em pouco mais de cem milhões de anos o tempo transcorrido desde o momento em que a Terra se esfriou o suficiente para que nela pudessem viver as plantas e os animais. (retornar ao texto)
(Nota de Engels) Engels refere-se à crise econômica de 1873/1874. (N. da R)
(2) Aqui se interrompe o manuscrito. (N. da R.) (retornar ao texto)

As Três Fontes - Lenin

V. I. Lênin - Março de 1913
A doutrina de Marx suscita em todo o mundo civilizado a maior hostilidade e o maior ódio de toda a ciência burguesa (tanto a oficial como a liberal), que vê no marxismo um a espécie de "seita perniciosa". E não se pode esperar outra atitude, pois, numa sociedade baseada na luta de classes não pode haver ciência social "imparcial". De uma forma ou de outra, toda a ciência oficial e liberal defende a escravidão assalariada, enquanto o marxismo declarou uma guerra implacável a essa escravidão. Esperar que a ciência fosse imparcial numa sociedade de escravidão assalariada seria uma ingenuidade tão pueril como esperar que os fabricantes sejam imparciais quanto à questão da conveniência de aumentar os salários dos operários diminuindo os lucros do capital.
Mas não é tudo. A história da filosofia e a história da ciência social ensinam com toda a clareza que no marxismo não há nada que se assemelhe ao "sectarismo", no sentida de uma doutrina fechada em si mesma, petrificada, surgida à margem da estrada real do desenvolvimento da civilização mundial. Pelo contrário, o gênio de Marx reside precisamente em ter dado respostas às questões que o pensamento avançado da humanidade tinha já colocado. A sua doutrina surgiu como a continuação direta e imediata das doutrinas dos representantes mais eminentes da filosofia, da economia política e do socialismo.
A doutrina de Marx é onipotente porque é exata. É completa e harmoniosa, dando aos homens uma concepção, integral do mundo, inconciliável com toda a supertição, com toda a reação, com toda a defesa da opressão burguesa. O marxismo é o sucessor legítimo do que de melhor criou a humanidade no século XIX: a filosofia alemã, a economia política inglesa e o socialismo francês.
Vamos deter-nos brevemente nestas três fontes do marxismo, que são, ao mesmo tempo, as suas três partes constitutivas.

I
A filosofia do marxismo é o materialismo. Ao longo de toda a história moderna da Europa, e especialmente em fins do século XVIII, em França, onde se travou a batalha decisiva contra todas as velharias medievais, contra o feudalismo nas instituições e nas idéias, o materialismo mostrou ser a única filosofia conseqüente, fiel a todos os ensinamentos das ciências naturais, hostil à supertição, à beatice, etc. Por isso, os inimigos da democracia tentavam com todas as suas forças "refutar", desacreditar e caluniar o materialismo e defendiam as diversas formas do idealismo filosófico, que se reduz sempre, de um modo ou de outro, à defesa ou ao apoio da religião.
Marx e Engels defenderam resolutamente o materialismo filosófico, e explicaram repetidas vezes quão profundamente errado era tudo quanto fosse desviar-se dele. Onde as suas opiniões aparecem expostas com maior clareza e pormenor é nas obras de Engels Ludwig Feuerbach e Anti-Dübring, as quais - da mesma forma que o Manifesto Comunista - são os livros de cabeceira de todo o operário consciente.
Marx não se limitou, porém, ao materialismo do século XVIII; pelo contrário, levou mais longe a filosofia. Enriqueceu-a com as aquisições da filosofia clássica alemã, sobretudo do sistema de Hegel, o qual conduzira por sua vez ao materialismo de Feuerbach. A principal dessas aquisições foi a dialética, isto é, a doutrina do desenvolvimento na sua forma mais completa, mais profunda e mais isenta de unilateralidade, a doutrina da relatividade do conhecimento humano, que nos dá um reflexo da matéria em constante desenvolvimento. As descobertas mais recentes das ciências naturais - o rádio, os elétrons, a transformação dos elementos - confirmaram de maneira admirável o materialismo dialético de Marx, a despeito das doutrinas dos filósofos burgueses, com os seus "novos" regressos ao velho e podre idealismo.
Aprofundando e desenvolvendo o materialismo filosófico, Marx levou-o até ao fim e estendeu-o do conhecimento da natureza até o conhecimento da sociedade humana. O materialismo histórico de Marx é uma conquisto formidável do pensamento científico. Ao caos e à arbitrariedade que até então imperavam nas concepções da história e da política, sucedeu uma teoria científica notavelmente integral e harmoniosa, que mostra como, em conseqüência do crescimento das forças produtivas, desenvolve-se de uma forma de vida social uma outra mais elevada, como, por exemplo, o capitalismo nasce do feudalismo.
Assim, como o conhecimento do homem reflete a natureza que existe independentemente dele, isto é, a matéria em desenvolvimento, também o conhecimento social do homem (ou seja: as diversas opiniões e doutrinas filosóficas, religiosas, políticas, etc.) reflete o regime econômico da sociedade. As instituições políticas são a superestrutura que se ergue sobre a base econômica. Assim, vemos, por exemplo, como as diversas formas políticas dos Estados europeus modernos servem para reforçar a dominação da burguesia sobre o proletariado.
A filosofia de Marx é o materialismo filosófico acabado, que deu à humanidade, à classe operaria sobretudo, poderosos instrumentos de conhecimento.
II
Depois de ter verificado que o regime econômico constitui a base sobre a qual se ergue a superestrutura política, Marx dedicou-se principalmente ao estudo deste regime econômico. A obra principal de Marx, O Capital, é dedicada ao estudo do regime econômico da sociedade moderna, isto é, da sociedade capitalista.
A economia política clássica anterior a Marx tinha-se formado na Inglaterra, o país capitalista mais desenvolvido. Adam Smith e David Ricardo lançaram nas suas investigações do regime econômico os fundamentos da teoria do valor-trabalho. Marx continuou sua obra. Fundamentou com toda precisão e desenvolveu de forma conseqüente aquela teoria. Mostrou que o valor de qualquer mercadoria é determinado pela quantidade de tempo de trabalho socialmente necessário investido na sua produção.
Onde os economistas burgueses viam relações entre objetos (troca de umas mercadorias por outras), Marx descobriu relações entre pessoas. A troca de mercadorias exprime a ligação que se estabelece, por meio do mercado, entre os diferentes produtores. O dinheiro indica que esta ligação se torna cada vez mais estreita, unindo indissoluvelmente num todo a vida econômica dos diferentes produtores. O capital significa um maior desenvolvimento desta ligação: a força de trabalho do homem torna-se uma mercadoria. O operário assalariado vende a sua força de trabalho ao proprietário de terra, das fábricas, dos instrumentos de trabalho. O operário emprega uma parte do dia de trabalho para cobrir o custo do seu sustento e de sua família (salário); durante a outra parte do dia, trabalha gratuitamente, criando para o capitalista a mais-valia, fonte dos lucros, fonte da riqueza da classe capitalista.
A teoria da mais-valia constitui a pedra angular da teoria econômica de Marx.
O capital, criado pelo trabalho do operário, oprime o operário, arruína o pequeno patrão e cria um exercito de desempregados. Na indústria, é imediatamente visível o triunfo da grande produção; mas também na agricultura deparamos com o mesmo fenômeno: aumenta a superioridade da grande exploração agrícola capitalista, cresce o emprego de maquinaria, a propriedade camponesa cai nas garras do capital financeiro, declina e arruína-se sob o peso da técnica atrasada. Na agricultura, o declínio da pequena produção reveste-se de outras formas, mais esse declínio é um fato indiscutível.
Esmagando a pequena produção, o capital faz aumentar a produtividade do trabalho e cria uma situação de monopólio para os consórcios dos grandes capitalistas. A própria produção vai adquirindo cada vez mais um caráter social - centenas de milhares e milhões de operários são reunidos num organismo econômico coordenado - enquanto um punhado de capitalistas se apropria do produto do trabalho comum. Crescem a anarquia da produção, as crises, a corrida louca aos mercados, a escassez de meios de subsistência para as massas da população.
Ao fazer aumentar a dependência dos operários relativamente ao capital, o regime capitalista cria a grande força do trabalho unido.
Marx traçou o desenvolvimento do capitalismo desde os primeiros germes da economia mercantil, desde a troca simples, até às suas formas superiores, até à grande produção.
E de ano para ano a experiência de todos os países capitalistas, tanto os velhos como os novos, faz ver claramente a um numero cada vez maior de operários a justeza desta doutrina de Marx.
O capitalismo venceu no mundo inteiro, mas, esta vitória não é mais do que o prelúdio do triunfo do trabalho sobre o capital.

III
Quando o regime feudal foi derrubado e a "livre" sociedade capitalista viu a luz do dia, tornou-se imediatamente claro que essa liberdade representava um novo sistema de opressão e exploração dos trabalhadores. Como reflexo dessa opressão e como protesto contra ela, começaram imediatamente a surgir diversas doutrinas socialista. Mas, o socialismo primitivo era um socialismo utópico. Criticava a sociedade capitalista, condenava-a, amaldiçoava-a, sonhava com a sua destruição, fantasiava sobre um regime melhor, queria convencer os ricos da imoralidade da exploração.
Mas, o socialismo utópico não podia indicar uma saída real. Não sabia explicar a natureza da escravidão assalariada no capitalismo, nem descobrir as leis do seu desenvolvimento, nem encontrar a força social capaz de se tornar a criadora da nova sociedade.
Entretanto, as tempestuosas revoluções que acompanharam em toda a Europa, e especialmente em França, a queda do feudalismo, da servidão, mostravam cada vez com maior clareza que a luta de classes era a base e a força motriz de todo o desenvolvimento.
Nenhuma vitória da liberdade política sobre a classe feudal foi alcançada sem uma resistência desesperada. Nenhum país capitalista se formou sobre uma base mais ou menos livre, mais ou menos democrática, sem uma luta de morte entre as diversas classes da sociedade capitalista.
O gênio de Marx está em ter sido o primeiro a ter sabido deduzir daí a conclusão implícita na história universal e em tê-la aplicado conseqüentemente. Tal conclusão é a doutrina da luta de classes.
Os homens sempre foram em política vítimas ingênuas do engano dos outros e do próprio e continuarão a sê-lo enquanto não aprendem a descobrir por trás de todas as frases, declarações e promessas morais, religiosas, políticas e sociais, os interesses de uma ou de outra classe. Os partidários de reformas e melhoramentos ver-se-ão sempre enganados pelos defensores do velho, enquanto não compreenderem que toda a instituição velha, por mais bárbara e apodrecida que pareça, se mantém pela força de umas ou de outras classes dominantes. E para vencer a resistência dessas classes só há um meio: encontrar na própria sociedade que nos rodeia, educar e organizar para a luta, os elementos que possam - e, pela sua situação social, devam - formar a força capaz de varrer o velho e criar o novo.
Só o materialismo filosófico de Marx indicou ao proletariado a saída da escravidão espiritual em que vegetaram até hoje todas as classes oprimidas. Só a teoria econômica de Marx explicou a situação real do proletariado no conjunto do regime capitalista.
No mundo inteiro, da América ao Japão e da Suécia à África do Sul, multiplicam-se as organizações independentes do proletariado. Este se educa e instrui-se travando a sua luta de classe; liberta-se dos preconceitos da sociedade burguesa, adquire uma coesão cada vez maior, aprende a medir o alcance dos seus êxitos, temperam as suas forças e cresce irresistivelmente.

Continuar na luta sempre!

Eleições 2008, iniciando o debate

Mergulhado numa crise econômica em nível internacional, o governo Lula consegue conte-la até o primeiro turno das eleições 2008. Nesse contexto, o PSOL participa de seu primeiro pleito eleitoral para prefeitos e vereadores no Brasil. Independentemente do resultado numérico, o partido consegue capilarizar-se, descendo até os setores mais oprimidos da sociedade, inaugurando assim uma nova fase na vida partidária nacional.

Pelos resultados preliminares os dados revelam uma relativa fragilidade, uma vez que não elegeu nenhum prefeito no Brasil, conseguindo apenas eleger alguns vereadores e conseqüentemente outros vereadores, ainda do período de transição do PT para o PSOL, perderam seus mandatos.

Os candidatos a vereadores e ex-vereadores que disputaram as prefeituras tiveram um comportamento de grandeza no tocante à construção do Partido, cujo resultado foi insatisfatório. Em algumas cidades e ou regiões as disputas tomaram contornos federalizados e neste particular, a ausência da candidata Heloisa Helena, foi sentida e até comprometedora no auxílio aos candidatos, que se sentiram isolados em relação ao processo em curso.

A nossa candidata perdeu a oportunidade de construir boa parte de sua campanha a presidência do Brasil.

A esquerda como um todo convive com uma contradição, que se expressa nas disputas dos processos eleitorais. Luta por um espaço no campo burguês, disputando institucionalmente os mais variados cargos; ao mesmo tempo em que busca se construir como alternativa revolucionária dentro de um processo que mais vicia do que educa.

Nessa conjunção, o partido precisa -aprimorar sua atuação, definir rumos e se credenciar para estabelecer um grande diálogo com a classe trabalhadora, uma vez que com os resultados eleitorais apontam para um grande crescimento dos seguimentos neoliberais na vida política do pais.

Eleições Em SBC.

Se as disputas no Brasil foram contextualizadas pelo apoio e desempenho do Presidente Lula, em São Bernardo essa realidade foi duramente sentida, uma vez que o presidente desfilou várias vezes com seu candidato a prefeito em nossa cidade. Mesmo com a falsa polêmica entre o PT e PSDB, já que estão unidos em mais de 1000 cidades no Brasil, fomos literalmente deletados por parte da grande imprensa e não tínhamos condições de disputar em condições de igualdade com as demais campanhas que foram milionárias. Mesmo assim, conseguimos furar o cerco com uma campanha criativa e estabelecemos vária polêmicas junto à população.

Do ponto de vista financeiro faltou o básico para o desenvolvimento da campanha, mas sobrou unidade, força de vontade, solidariedade entre os candidatos e disposição no processo da construção do partido na cidade. Nossa campanha teve um papel importante na unidade da esquerda, na fisionomia e conteúdo programático, em que pese o fraco empenho de setores da frente de esquerda, mais notadamente o PSTU, que praticamente se afastou da campanha majoritária, não cumprindo com o que foi acordado previamente.

No geral, nossos militantes e candidatos a vereadores passaram por várias dificuldades no transcurso da campanha, como: desemprego, prisão de carros, roubo de carros e até a sede do partido teve seu portão destruído, num acidente, que não foi possível esclarecer até o momento.

Em que pese à votação abaixo do esperado, nosso candidato a prefeito Aldo Santos obteve 3.806 votos, a legenda do PCB obteve 115 votos, o PSTU obteve 223 e o PSOL 1078.

A somatória final dos vereadores e da legenda ficou da seguinte forma: PSTU 476 votos, PCB 115 e PSOL 6.065 votos. A frente de esquerda para efeito do coro para o Legislativo Municipal obteve 6656 votos.

Finalmente, queremos agradecer a todos e todas que votaram em Aldo Santos Prefeito, bem como na nossa chapa de vereadores .

“De tudo, ficaram três coisas:
a certeza de que estamos sempre começando...
a certeza de que precisamos continuar...
a certeza de que seremos
interrompidos antes de terminar...
Portanto devemos:
fazer da interrupção um caminho novo...
da queda um passo de dança...
do sonho, uma ponte...
da procura, um encontro... “(Fernando Pessoa)

"Se não houver frutos
Valeu a beleza das flores
Se não houver flores
Valeu a sombra das folhas
Se não houver folhas
Valeu a intenção da semente". (Henfil)

“Lutar é preciso”.(Aldo Santos)

Crise do Capital 5: Crítica Semanal da Economia

ANO XXII. nº 949; 2ª semana de novembro/ 2008.

Soberbo Crash Americano JOSÉ MARTINS.


Na semana de 20 a 26 de outubro de 2008 aumentou a possibilidade de desabamento catastrófico da economia dos EUA, economia de ponta do sistema. Onde estão os tão confiáveis “poderes e conhecimentos” dos bancos centrais e tesouros nacionais para evitar as clássicas depressões econômicas? Não pergunte para Paul Samuelson e seus parceiros das diversas escolas da economia vulgar. Sumiram todos. Perderam-se na poeira da superprodução. O capital mundial está sendo pulverizado. Um verdadeiro crash parece estar começando. Até que enfim!

Na semana de 20 a 26 de outubro de 2008 aumentou a possibilidade de desabamento catastrófico da economia dos EUA, economia de ponta do sistema. Onde estão os tão confiáveis “poderes e conhecimentos” dos bancos centrais e tesouros nacionais para evitar as clássicas depressões econômicas? Não pergunte para Paul Samuelson e seus parceiros das diversas escolas da economia vulgar. Sumiram todos. Perderam-se na poeira da superprodução. O capital mundial está sendo pulverizado. Um verdadeiro crash parece estar começando. Até que enfim. Para que não se diga que essa avaliação é exagerada recomenda-se ler partes deste balanço da Bloomberg News no final do último pregão desta semana:
“As bolsas de valores dos EUA caíram nesta semana levando o índice Standard & Poor’s 500 à maior queda mensal desde 1938, com os temores de que a economia global se encaminha para a recessão. Alcoa, Citigroup, Hewlett-Packard sofreram quedas recordes na média do Dow Jones Industrial, com perdas de mais de 18%, com os investidores apostando que a crise financeira se espalhará além dos bancos para as empresas industriais e fabricantes de computadores. General Motors alcançou o mais baixo preço desde os anos 1950, e Ford Motors afundou 17%.
O índice das ações nos EUA caiu 25% em outubro. Nesta semana, o Dow Jones caiu 5,4%, para 8378,95. O MSCI World Index, média de 23 bolsas de valores de economias desenvolvidas, perdeu 8,3%, enquanto Brasil, Rússia e Índia puxaram os índices de 25 bolsas de mercados emergentes para o desabamento de 17% apenas nesta semana. Todos os 48 mercados desenvolvidos e emergentes registrados no MSCI declinaram em 2008, com 22 deles perdendo pelo menos a metade do seu valor. O mais elevado desabamento foi da Rússia, com seu índice Micex caindo 73%. Os índices da China, Grécia, Irlanda, Peru e Áustria registraram quedas de mais de 60%.
O S&P 500 caiu 40% neste ano. Mais de 10 trilhões de dólares foram apagados do valor de mercado das ações mundiais neste mês de outubro, resultado da queda dos lucros das empresas. As 236 empresas listadas no S&P 500 reportaram balanço do terceiro trimestre mostrando um declínio dos lucros de 23% em média. Relatórios de ontem mostraram a primeira contração da economia da Inglaterra desde 1.992..”
UMA REVOLUÇÃO É POSSÍVEL – Há cento e cinqüenta anos, Engels escrevia a Marx: "O crash americano é soberbo e está longe de ter chegado ao fim. Ainda vamos assistir ao colapso de uma boa parte das empresas; até agora só se arruinou uma ou outra. A repercussão na Inglaterra parece ter começado com o Borough Bank de Liverpool. Tant mieux [ótimo, tradução livre do francês no original alemão]. Isso significa que, nos próximos três ou quatro anos, o comércio voltará a passar um mau bocado. Nous avons maintenant de la chance [Agora nós temos a possibilidade, trad. livre do francês no original]”. St. Hélier, Jersey, 29 de Outubro de 1857 .
“Agora nós temos a possibilidade”. Engels exprime aqui uma tese importante da teoria revolucionária: “A revolução proletária só será possível na esteira de uma soberba crise econômica. Uma é tão certa quanto a outra.” (Marx).
É extremamente atual esse roteiro estabelecido 150 anos atrás por Marx e Engels: com a próxima crise econômica catastrófica capitalista mostrando seus primeiros sinais abre-se a possibilidade real (apenas a possibilidade, note-se) da revolução proletária. Mas essa crise catastrófica global tem que explodir inicialmente nos EUA, coração do sistema. E depois que ela se alastrar pela totalidade do mercado mundial, é preciso que cada burguesia nacional e suas demais classes dominantes acessórias sejam derrotadas na guerra civil e enterradas pelo proletariado internacional unido para finalmente se realizar a verdadeira revolução.
Ora, como mostram os números (e os fatos) é muito grande a possibilidade de eclosão nas próximas semanas de um “soberbo crash americano”. Muito parecido na sua arquitetura básica (e muito mais potente em seus efeitos globais) com aquele que falava Engels há 150 anos. A vieille taupe (velha toupeira da revolução) de que falava Rosa de Luxemburgo está prestes a reaparecer na superfície da história. É por isso, só por isso, que é tão importante o acompanhamento nos mínimos detalhes dos ciclos econômicos e suas inevitáveis crises periódicas de superprodução de capital.

[1] Bloomberg News www.bloomberg.com/apps/news 25/10/2008
[2] Poucas semanas depois Marx escrevia para Engels: "Também é engraçado que os capitalistas, que se opunham tão furiosamente ao direito ao trabalho, estejam agora a exigir em toda a parte aos seus governos "apoio público" e a advogar, portanto o "direito ao lucro", à custa do erário público em Hamburgo, Berlim, Estocolmo, Copenhagen e até Inglaterra (sob a forma de suspensão das leis). Também engraçado que os filisteus de Hamburgo se tenham recusado a conceder mais esmolas aos capitalistas". Londres, 8 de Dezembro de 1857. Cento e cinqüenta anos depois, Colin Burgon, parlamentar do Partido Trabalhista inglês, na Câmara dos Comuns da Inglaterra exclama: “O que eu vejo é a mão invisível do mercado se enfiando no bolso do contribuinte e retirando mais ou menos 50 bilhões de libras” – Londres, 25 de outubro de 2008.

Crise do Capital 4: Crítica Semanal da Economia

O Socialismo Dos Capitalistas



O poder político do Estado moderno (e de qualquer governo) não passa de um comitê para administrar os negócios comuns de toda a classe burguesa.



Bush, Gordon, Merkel et caterva ressuscitam Malthus, Keynes e todos os santos padroeiros do capitalismo burocrático de Estado.



Trocam uma crise de crédito privado por outra muito mais letal de crédito público. O inferno é o limite.



por JOSÉ MARTINS



Esta nova semana de crise que se encerrou dia 17 de outubro de 2008 foi para nenhum economista crítico botar defeito. Vejam a ação desesperada dos governos das principais economias imperialistas. Não se tem notícia na história econômica mundial desde que inventaram a moeda e os bancos, pelo menos, de nada parecido com os surrealistas volumes de dinheiro que esses governos estão canalizando aos seus banqueiros privados para estancar o a derretimento do sistema financeiro.

O famoso pacote de US$ 700 bilhões de Bush virou café pequeno perto do que os malucos (e decadentes) capitalistas europeus andaram anunciando. A Inglaterra? Cerca de 1,3 trilhões de dólares. Com isso Gordon Brown, seu primeiro-ministro, transformou-se no grande herói dos capitalistas em todo o mundo. O pavor com o precipício explica esses tipos de novos heróis do capitalismo senil. A Alemanha de Frau Merkel? Mais 850 bilhões. A França? Quase 500 bilhões. Holanda? Mais de 270 bilhões. No fim da fila dos desesperados capitalistas europeus se encontra o ridículo Estado português que não conseguiu liberar mais do que 20 bilhões de Euros (27 bilhões de dólares) para os banqueiros lusitanos.

GORDON “KEYNES” BROWN

A grande novidade filosófica da conjuntura: os capitalistas, seus governos e seus economistas já não confiam na receita de injetar apenas crédito ou meios de pagamento no mercado. Não funciona mais. Agora grande parte dos recursos dos mega-pacotes será desviada diretamente dos Tesouros nacionais para estatização de fatias enormes de bancos e financeiras. Os EUA de Bush seguindo o originalíssimo modelo de Gordon Brown anunciaram a liberação de US$ 250 bilhões para a estatização de boa parte dos grandes bancos de Wall Street.

Não se trata de nenhuma imoralidade. Trata-se de negócios. É assim que funciona na prática a endeusada competência dos empresários capitalistas, grandes empreendedores, exemplos de dinamismo e capacidade inovadora. Depois de produzirem uma das maiores crises econômicas da história agora usam seus governos nacionais para saquear os cofres públicos e salvar os seus capitais privados.

Viraram todos keynesianos. E “socialistas”. Vejam este remédio para a crise financeira receitado por um convicto economista neoclássico, ex-presidente do Partido Liberal, autor do “projeto do imposto único”, etc. subitamente convertido ao socialismo keynesiano: “A única opção é a compra de participação acionária dos bancos pelos Tesouros dos países envolvidos” (Marcos Cintra – “No olho do furacão”, Folha de São Paulo, 13/outubro/2008).

Na mesma edição deste jornal outro expoente da reforma neoliberal e da modernização do Estado no governo FHC justifica o socialismo dos capitalistas mais filosoficamente que o grosseiro autor do projeto do imposto único: “O Estado é muito maior do que o mercado; é o sistema constitucional legal e a organização que o garante; é o instrumento por excelência da ação coletiva da nação. Cabe ao Estado regular e garantir o mercado, e como vemos agora, servir de emprestador de última instância.” (Bresser Pereira, “Crise no mercado financeiro e recuperação da confiança” – Folha de S.Paulo, idem).

FRAU MERKEL COMANDA A EUROZONA

Nada dessas movimentações do Estado apresenta alguma surpresa. Marx e Engels não diziam com toda clareza, e com toda razão, que o poder político do Estado moderno nada mais é do que um comitê para administrar os negócios comuns de toda a classe burguesa? Não é exatamente isso que estão dizendo Marcos Cintra e Bresser Pereira? Só os ingênuos (e geralmente mal intencionados) reformadores sociais duvidam disso.

É por isso que Frau Merkel, chanceler da Alemanha, não demonstra nenhum remorso com essa farra do boi que os capitalistas das principais economias estão fazendo com as contas públicas dos seus governos. Diz apenas que apesar do alívio que ela espera que aconteça no mercado a “caixa de ferramentas” adotada só funcionará se forem implantados mecanismos de regulação internacionais que ponham “fim aos excessos do mercado”.

Frau Merkel se preocupa unicamente com os “excessos do mercado”, não parece nem um pouco preocupada com os “excessos do governo”. Mesmo tendo nascido e crescido na antiga Alemanha Oriental ela não vê nenhuma contradição no fato do capital ser enjaulado por muito tempo na forma estatal. Acha que a história pode repetir ininterruptamente, impunemente. Para a ideologia burguesa não existe história, o que existe é a monótona reprodução de um eterno presente.

Mas, além desse voluntarismo tipicamente capitalista (agir antes e pensar depois) que se presencia mais uma vez neste momento, o problema mais importante é que o desdobramento da crise atual passa doravante para a esfera do Estado, quer dizer, para as “novas regulamentações do mercado” a serem tomadas pelas instituições burocráticas e militarizadas das diversas burguesias nacionais.

IRREVERSIBILIDADE DO PROCESSO

Algumas rapidíssimas reflexões a respeito das conseqüências dessa empreitada cheia de perigos adotada pelos principais governos capitalistas. Imaginemos (apenas imaginemos) que esse pesadíssimo processo de centralização do capital comandado pelo Estado possa - como espera Frau Merkel e todos os capitalistas do mundo - trazer um alívio para os diferentes sistemas financeiros nacionais. Imaginemos, portanto, as condições mais favoráveis para os capitalistas, quer dizer, abafamento temporário (muito temporário) da atual fase cíclica de crise.

Primeira conseqüência: com o grau de globalização alcançado pelo capital nas três últimas décadas mudando decisivamente a crosta geoeconômica terrestre não se pode mais contar com um mercado mundial recortado por regulamentações, protecionismos nacionais, etc. O capital só pode existir doravante enquanto valor que se multiplica e que se globaliza na forma popularmente conhecida de neoliberalismo e com velocidade crescente de acumulação.

Essas novas condições materiais não podem ser menosprezadas. Não se pode imaginar a possibilidade de um Estado estacionário que já para David Ricardo, o maior dos economistas, era um pesadelo a ser evitado a qualquer custo. O descontrole social seria muito mais difícil de ser administrado pelas classes dominantes em um regime malthusiano de Estado que agora se anuncia do que no regime ricardiano de livre-mercado que se procura abafar.

Os filhos de Malthus (e, portanto, de Keynes e tutti quanti) que ainda acreditam que se pode retroceder o capital a circunstâncias parecidas com aquelas da segunda metade do século passado logo sofrerão, no mínimo, uma grande desilusão.

Se eles olharem para sua volta e raciocinarem por um segundo que seja (que eles podem acreditar que são capazes) verão imediatamente que o capital não pode mais viver nem um segundo sem a liberalização dos ciclos econômicos mais recentes e os correspondentes “excessos do mercado”. Assim eles deixarão de lado essa idéia absurda que se pode acumular capital sem capital.

Segunda conseqüência: essa empreitada de inaudita centralização do capital financeiro no Estado levará rapidamente para uma onda de protecionismos nacionais e isolacionismos geopolíticos que aumentarão a temperatura das relações internacionais a graus insuportáveis. O isolacionismo dos EUA seria o mais determinante nesta perspectiva. Não há necessidade de maiores detalhamentos dessa escalada; todo mundo é capaz de antever o tipo de descontrole bélico que ocorreria na indissolúvel unidade entre economia do imperialismo e guerra mundial em um quadro de aumento do protecionismo econômico entre as nações.

Terceira conseqüência: mas não menos importante do que as duas primeiras, exatamente porque é a que se apresentará mais imediatamente à luz do dia. O abafamento da crise do crédito privado logo se manifestará na forma muito mais corrosiva de crise do crédito público. Os economistas do sistema acham que podem restaurar a paz no mercado de crédito privado destruindo o crédito público. Aliás, eles nem consideram atualmente essa destruição fatal que eles mesmos estão gerando. Querem apenas aliviar o sufoco imediato. Pagarão caro por isso.

O voluntarismo desses malucos que acreditam que se pode inundar o mercado com papel moeda sem nenhuma conseqüência posterior na economia logo encontrará seu limite fiscal, na forma de um incontrolável déficit público. Para a explosão desse déficit nos próximos meses agirá não apenas o aumento descomunal das despesas fiscais com os atuais mega-pacotes de salvamento dos bancos e outras empresas privadas, mas simultaneamente agirá a não menos descomunal redução das receitas fiscais motivada por uma abrupta queda do nível de atividade econômica em todo o mundo.

Os capitalistas das economias dominantes logo receberão a fatura da farra keynesiana que fazem atualmente. Como dissemos acima, o desdobramento da crise atual passa doravante para a esfera do Estado. E os capitalistas aprenderão da forma mais didática possível que a crise do crédito público é absolutamente necessária para que em um determinado momento do ciclo econômico a crise financeira possa se fundir com a crise industrial e com a crise agrícola, conformando finalmente o quadro de uma verdadeira catástrofe econômica. Marx Seja Louvado!

Crise do Capital 3: Crítica Semanal da Economia

ANO XXII. nº 943 e 944; 2ª e 3ª semana de outubro/ 2008.


CRISE ECONÔMICA GLOBAL/ INÍCIO DA CATÁSTROFE.

O capital à beira do precipício.

Já foi pulverizado um valor-capital de US$ 25 trilhões.

Onde estão os anticorpos para estancar a hemorragia?

Falência da burguesia e da economia política vulgar.

JOSÉ MARTINS

A lei do valor trabalho é para a economia capitalista o que a lei da gravidade é para a Física. É por isso que todas nossas principais expectativas teóricas e práticas expostas em nossos boletins dos últimos anos estão se realizando. Como? Da maneira mais concreta possível.
Tudo cai neste começo de Outubro. Maravilhosamente. Poucas vezes na história da economia mundial a lei do valor se realizou de maneira tão clara. Onde? No amplo espaço do mercado mundial, onde ela pode se realizar em toda sua plenitude. É a demonstração prática (mais uma vez) da atualidade da economia política dos trabalhadores, como o próprio Marx designava sua teoria.

CENTRO E PERIFERIA – Os mercados de capital (ações, títulos e outros “ativos”) de todo o mundo desabam neste momento em queda livre. O índice Dow Jones Industrial da bolsa de Nova York, depois de desabar absurdos 7% apenas no dia 9, quinta-feira, está neste início de pregão do dia 10, sexta-feira, caindo mais de 8%. Todos os índices da Europa, de Londres até Milão, desabam em torno de 10%. A bolsa do Japão já tinha sofrido idêntico desabamento na sessão de hoje, que no oriente fecha na madrugada.
Os chamados “emergentes” tombam de maneira ainda mais escandalosa que os dominantes. Rússia, Brasil, China, etc. são como pesos penas nocauteados que não saem mais da lona. A direção da luta é obrigada a interromper a toda hora o circuito, tentar esfriar o pangaré e colocá-lo de pé para voltar ao ringue. Mas não adianta, desaba de novo para 12%, 15%, com a maior rapidez.
As bolsas da Rússia e da China literalmente fecharam as portas. Na semana passada, quando explodiu de vez a derrocada dos mercados, o governo chinês fechou as bolsas, alegando um pretenso “feriado nacional”. É bem provável que a Bovespa siga o mesmo caminho de se retirar da raia, talvez já na próxima segunda-feira, 13 de outubro.
É devido a essa fragilidade que nas extremidades do organismo burguês devem se produzir naturalmente as comoções políticas e sociais mais violentas da crise global antes de chegar ao coração, pois no centro as possibilidades de regulação e compensação são maiores que na periferia dominada sem moeda forte, sem grandes bancos, poderosos tesouros públicos, etc. As tão faladas reservas internacionais do Brasil (US$ 200 bilhões), por exemplo, cabem em um caminhão que o Tesouro e o Banco Central dos EUA despejam diariamente em Wall Street. O Japão injeta diariamente US$ 35 bilhões no sistema financeiro interno. No Brasil, quando o Banco Central injeta U$ 2,5 bilhões é um grande acontecimento.
Ao mesmo tempo, o fechamento dos mercados externos propiciados pelas economias do centro do sistema (principalmente de matérias primas, agro-exportação e outras montagens industriais à chinesa) provocam uma abrupto desabamento das atividades industriais na periferia, onde a depressão do setor real chega muito antes e com muito mais violência.

PRAZO DE EXECUÇÃO – O desabamento dos mercados foi mais acelerado nesta última semana do que na anterior. O MSCI World Índex, que mede a evolução das principais bolsas de valores do mundo, sofreu a pior queda semanal desde que foi instituído, no começo dos 1970: quase 20% até quinta-feira. Neste ano, mais de US$ 25 trilhões foram pulverizados com as desvalorizações das ações globais. Quer dizer, já foi queimado neste ano um valor-capital equivalente ao dobro do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos, à cinco vezes o do Japão, à doze vezes o do Brasil, etc. A verdadeira catástrofe ocorrerá no momento em que for incinerada uma massa de capital equivalente a toda a acumulação global realizada nos últimos quatro ou cinco anos de expansão do capital. Estamos muito próximos disso.
O índice Down Jones, da bolsa de Nova York, caiu na quinta-feira abaixo dos 9000 pontos. Na sexta-feira encaminhava-se rapidamente para os 8000 pontos. Aproxima-se do mesmo nível do pior momento do último período de crise periódica (2001-2002). Corresponde ao índice daquela massa de capital incinerada que falamos acima. Pelos nossos cálculos, como fizemos naquela conjuntura, ocorreria a falência geral dos órgãos entre 6000 e 7000 pontos. Quando o Down Jones cair para essa faixa o corpo econômico da burguesia poderá ser levado para o necrotério. E o cenário passará a ser ocupado confrontos sociais no interior das nações e tensões bélicas crescentes nas relações internacionais.
No ciclo passado o capital escapou por pouco. Eram outras circunstâncias. Acompanhamos e depois relatamos toda aquela história em nosso livro “Império do Terror – Estados Unidos, ciclos econômicos e guerras no início do século 21”. Agora esse deadline do capital se aproxima com incrível velocidade. Se não desacelerar imediatamente, o infausto desenlace pode acontecer ainda neste glorioso mês de Outubro de 2008. Que Marx nos ajude!

ONDE ESTÃO OS ANTI
CORPOS? – O organismo burguês parece estar totalmente sem anticorpos para estancar essa hemorragia fatal. Afinal, onde estão os famosos e moderníssimos instrumentos desenvolvidos pela burguesia para abortar grandes depressões econômicas, no modelo das clássicas catástrofes econômicas do século 19 e primeira metade do século 20? Como a mais famosa, de 1929? Já vimos em nosso boletim nº 41/2007 “Um tombo parado no ar”, 1ª semana de novembro/2007, como o lendário economista Paul Samuelson se refere, com toda certeza do mundo, a esse assunto: “O motivo para que possamos confiar em que não haverá desastre financeiro completo para o mundo ou os Estados Unidos é que os bancos centrais e os Tesouros governamentais modernos têm os poderes e o conhecimento necessários para limitar futuros danos”.
É assim que pensam todos os burgueses e todos os economistas do sistema. Pelo menos era assim até os últimos dias. O problema dessa gente é que eles não sabem a diferença entre dinheiro e capital, e muito menos entre preço e valor. Para eles o lucro de qualquer empresa é o “valor descontado” sobre todas as produções futuras e o capital é soma de todos esses “valores descontados”. Não é uma gracinha? E olha que esta é a mais interessante definição que eles têm de capital.
Os economistas entendem a economia capitalista como um enorme banco, e o capital como um mero papel, um título de dívida financeira que tem seu valor de face e que vai alternando seu rendimento de acordo com o “grau de confiança”, quer dizer, seu crédito no mercado, até a sua data de vencimento. Para a economia vulgar (principalmente em sua vertente keynesiana) a produção de capital situa-se na tesouraria dos bancos e, principalmente, nos cofres públicos e bancos centrais. É a visão burocrática do processo, que predomina nos governos, academias, mídia, etc. Por isso são tão impotentes frente à crise.

PACOTES E ESTATIZAÇÃO – Para a economia política vulgar uma verdadeira crise monetária e financeira capitalista se resolve unicamente com dinheiro, ou melhor, com a “recuperação da confiança”. Fazem então uma grande confusão de diagnósticos e remédios. É por isso que confiaram tanto, até os últimos dias, que a pesadíssima crise atual de superprodução de capital, que apareceu embrionariamente no ano passado como uma crise de crédito do sistema imobiliário dos EUA, poderia ser estancada pelos instrumentos de expansão do dinheiro e do crédito do banco central.
Uma semana atrás, estavam novamente muito otimistas com a aprovação do badalado pacote de U$ 750 bilhões do governo Bush. Mas esse otimismo caiu por terra no mesmo momento em que foi anunciada a sua aprovação definitiva pela Câmara dos Deputados. As bolsas desabaram mais pesadamente que antes. Nesta última semana, iniciada no dia 6, pacotes gigantescos não pararam de ser anunciados pelo mundo afora. Tanto na Inglaterra, que lançou um pacote gigantesco de 500 bilhões de libras (US$ 867 bilhões), maior que o dos EUA, quanto nestes últimos, fala-se insistentemente em estatização de diversas fatias do sistema bancário dos dois países. As bolsas aceleraram a queda.
Na quarta-feira, finalmente, houve uma concertação entre EUA, União Européia, Inglaterra, Japão, e outras grandes economias do G7, para uma inédita redução instantânea das taxas básicas de juros das suas economias. Nunca tinha acontecido tal grau de colaboração entre as burguesias imperialistas. Qual foi o resultado? Exatamente o que já relatamos anteriormente: mais desabamento.
Coincidentemente, todos os momentos de curta duração de otimismo do mercado com os remédios aplicados por Bush, Paulson, Bernanke e tutti quanti foram invariavelmente revertidos com notícias de afundamento de grandes empresas industriais – General Motors, GE, Ford, Alcan, Rio Tinto, Exxon, Toyota, etc.
Na sexta-feira, 10, a Bloomberg.com noticia que “A Standard & Poor’s divulgou hoje que General Motors, Ford Motors e Chrysler caminham para a falência [bankruptcy] devido a desaceleração da economia e depressão nas vendas de automóveis. GM desabou para seu nível mais baixo em 58 anos e a Ford fecho no seu nível mais baixo desde 1982” www.bloomberg.com/apps/news 10/10/2008.
A crise industrial tratorando tudo que vê pela frente. Mas isso passa despercebido por todos aqueles economistas adeptos da “teoria da confiança”, que entendem os ciclos econômicos como uma interminável e monótona sucessão de “bolhas” especulativas. Desde os anos 1930 a catástrofe nunca esteve tão próxima. Já começou pelos frágeis sistemas ideológicos dos seus economistas. Saravá!

Crise do Capital 2: Crítica Semanal da Economia

ANO XXII. nº 943 e 944; 4ª semana de setembro e 1ª semana de outubro/ 2008.


CRISE FINANCEIRA GLOBAL/ POSSIVEL CATÁSTROFE.

Outubro está chegando

Aumenta a quebradeira de grandes bancos.

Crise financeira e centralização imperialista do capital.


JOSÉ MARTINS

Há exatamente um ano, nosso boletim da 1ª semana de outubro/2007 “Ventos de Outubro” iniciava-se assim: “O movimento contraditório da sociedade capitalista é sentido pelo burguês prático da maneira mais desconcertante pelas vicissitudes da indústria moderna através do seu ciclo periódico, cujo ponto culminante é a crise geral. Já percebemos o retorno dos seus sintomas anunciadores; ela se aproxima de novo; pela globalidade do seu campo de ação e intensidade de seus efeitos, ela fará a dialética entrar na própria cabeça dos especuladores, que se multiplicaram na mesma velocidade que o capital pela totalidade do sistema”.
Naquele início de Outubro de um ano atrás também sentíamos a não realização da tão esperada oktoberfest econômica e seus coloridos abalos sísmicos do encerramento da atual fase de expansão do capital global, que se iniciara em 2003 e completava então quatro longos anos.
Um ano depois, entretanto, estamos bem mais felizes e confiantes. Os acontecimentos ocorridos no final se setembro e começo de outubro de 2008 foram mais que suficientes para deixar extremamente otimista qualquer profissional desta tão difícil arte da crítica da economia política.
Diferentemente do Outubro de um ano atrás, quando se podia vislumbrar pela previsão da crítica da economia apenas a possibilidade de uma crise geral para o segundo semestre de 2008, o que agora se vê com mais clareza é a concretização daquela possibilidade e a chegada de um generoso e verdadeiro mês de Outubro, de uma verdadeira oktoberfest econômica. Continuemos nesta paciente crônica da necrologia do capital.

JUNTANDO CADÁVERES

Na noite de sexta-feira, 26 de setembro de 2008, os capitalistas de todo o mundo foram dormir profundamente preocupados com a crise econômica mundial. Um dia antes, quando ainda comemoravam a perspectiva de aprovação do hiper pacote de resgate de 1 trilhão de dólares pelo Congresso dos EUA, foram abalados por novas e preocupantes notícias. A principal foi a falência do Washington Mutual, o segundo maior banco de poupança e investimentos dos EUA, cujos restos mortais foram imediatamente absorvidos pelo JPMorgan, outro grande banco americano com alto poder de sucção e centralização do capital.
Foi a “maior falência bancária da história dos EUA”, segundo a Bloomberg. Com. Os correntistas do WaMu, como o falecido era conhecido no mercado, sacaram US$ 16,7 bilhões das contas desde 16 de setembro. O banco entrou em colapso quando seu nível de crédito foi rebaixado no mercado para junk (podre, sem valor) e suas ações viraram pó. Caíram 95% nos últimos doze meses, para US$ 0,45 por ação.
O cadáver do WaMu ainda estava quente, quando os capitalistas foram novamente abalados pela notícia de derretimento fatal das ações de dois outros grandes bancos de investimentos dos EUA. No início do pregão de sexta-feira, as ações do Wachovia Corp. e do National City Corp. já tinham caído 27 e 20%, respectivamente. Já caíram mais de 80% desde o ano passado: “Wachovia Corp. e National City Corp. desabaram depois que ficaram paralisadas as negociações do pacote de resgate do governo e que o Washington Mutual Inc. foi fechado pelos órgãos reguladores e vendido para o JPMorgan Chase & Co. WaMu foi fechado ontem, na maior falência bancária da história dos EUA, depois que os correntistas retiraram US$ 16,7 bilhões das contas correntes desde dia 16 de setembro. O Wachovia, do mesmo modo que o WaMu, tem problemas com hipotecas imobiliárias, especialmente aquelas herdadas por suas aquisições poucos anos atrás... Enquanto o Wachovia pode ser um alvo para resgate, ainda não está claro quem está interessado em incorporá-lo neste momento.”

CENTRALIZANDO CAPITAL

Quando esses bancos fecham as portas, pouco ou nada sobra para suas inconsoláveis viúvas, quer dizer, acionistas. Neste caso do WaMu, o único que vai se beneficiar (e muito) será o JPMorgan, que chegou antes que outros grandes bancos para devorar a carniça, pagando o valor simbólico de US$ 1,9 bilhão.
Resta saber quanto o Tesouro de mister Paulson vai pagar pelos micos (ativos podres) do WaMu, agora na mão dos seus amigos do JPMorgan, e outros gestores da enorme massa falida Valor de face? É o mais provável. Logo teremos a confirmação, depois do mega pacote ser aprovado pelos “representantes do povo” e colocado em prática pelos burocratas do Tesouro Ou será que está previsto no pacote o sigilo dessas tenebrosas transações? Também é o mais provável.
Mas, além da corrupção burocrática – coisa absolutamente normal no regime capitalista e no correspondente Estado burguês – é nessa estreita relação entre os banqueiros e os governos, em períodos de crise, que, desde o início deste regime, se desenrolam simultâneos períodos de profunda centralização do capital. Crise e centralização do capital são duas coisas absolutamente inseparáveis. E quanto mais profunda a centralização, mais próximos os bancos ficam do Estado, maior é o poder dos bancos e dos correspondentes Estados nacionais.
É exatamente esse processo clássico de centralização do capital que se repete atualmente nos EUA, com a mais escancarada colaboração de Washington com Wall Street, quer dizer, dos “representantes do povo” com os barões do sistema bancário da maior economia do planeta.
Nas crises catastróficas a democracia é desvelada de maneira mais ampla. E, dependendo da possível recuperação do capital, quer dizer, passados esses períodos de crise, em que se abrem diversas possibilidades de solução entre as classes sociais, esse regime político tipicamente capitalista pode também, no caso de vitória da burguesia sobre os proletários, sair ainda mais reforçado para organizar novas eras de expansão do capital e domínio do Estado.

ECONOMIA E GEOPOLÍTICA

É por isso que soa um pouco exagerada as diversas afirmações de que a época de dominação financeira (e econômica) dos EUA está terminando. Isso tem ocorrido principalmente entre os capitalistas europeus. A mais recente autoridade a bater nesta tecla foi o presidente da Rússia: “A época de domínio econômico dos EUA terminou, e o mundo precisa de um sistema financeiro ‘mais justo’, afirmou o presidente russo nesta quinta-feira, em são Petersburgo. O tempo de dominação de uma única economia e de uma única moeda se tornou coisa do passado de uma vez por todas, afirmou o presidente russo durante um fórum sobre as relações entre Rússia e Alemanha, no qual estava presente a chanceler alemã, Ângela Merkel”
Há poucos dias, a mesma idéia foi defendida, quase que com as mesmas palavras, pelo ministro da Economia da Alemanha. De duas uma (ou as duas coisas): ou esses indivíduos não conhecem nem um pouco as regras de funcionamento da economia política e da concorrência entre capitais; ou, estão muito mais amedrontados com a ingovernabilidade que já começa a balançar seus Estados nacionais e os novos vazios geopolíticos entre as potências imperialistas.
A ingovernabilidade global surge apenas na esteira de uma crise econômica catastrófica e leva necessariamente a guerras imperialistas bem mais extensas do que as que ocorreram no último período de crise (2001-2003). Não é por acaso, portanto que os governos da Rússia e da Alemanha estejam particularmente preocupados com o novo quadro de concorrência inter-imperialista que surgirá com esta crise que está apenas começando.
De todo modo, como todas as burguesias européias, a russa e a alemã sabe por instinto dessas conseqüências do processo de centralização do capital e aumento do poder monetário. Sabem melhor do que ninguém que a economia do imperialismo e as guerras são duas coisas que, necessariamente, sempre caminharam juntas.
A chegada deste brilhante outubro de 2008 e a crise econômica geral do capital cada vez mais provável anuncia que esse processo de ingovernabilidade do Estado burguês também entrou na ordem do dia.

Crise do Capital: Crítica Semanal da Economia

ANO XXII. nº 941 e 942; 2ª e 3ª semanas de setembro 2008.

CRISE FINANCEIRA GLOBAL/ QUEBRA DE BANCOS GIGANTES

Wall Street: urubu tá voando baixo

Pânico alcança nível histórico no crédito

Vivemos ‘desafio sem precedentes’, diz Bush.


JOSÉ MARTINS

Todo mundo parece estar de acordo com uma coisa: depois dos acontecimentos ocorridos nos últimos dias em Wall Street o sistema financeiro mundial nunca mais será o mesmo. Este 15 de setembro de 2008 pode ser lembrado como o “11 de setembro” do sistema financeiro. Sem exagero. Afinal, naquele dia pode-se catalogar no boletim necrológico do capital que três dos principais bancos de investimentos dos EUA – Bear Stearns, Lehman Brothers e Merryll Lynch – tinham desaparecido do mapa. Pelo menos como entidades independentes.
O grupo de seguros American International Group (AIG), outro gigante mundial, também está pela bola sete; o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) ainda tentou um resgate, no meio da semana, mais de US$ 80 bilhões na jogada, mas fracassou.
Os próximos na fila do corredor da morte, pasmem, são o Goldman Sachs e o Morgan Stanley, os dois maiores bancos de investimento do mundo. No meio da semana, o valor do capital das duas empresas, medido pelas ações negociadas na Bolsa, estava se pulverizando velozmente. A mesma trajetória percorrida pelos seus sólidos e falecidos parceiros listados acima. E devem – como aconteceu com a anexação do Bear Stearns pelo JPMorgan e a Merryll Lynch, nesta semana, pelo Bank of America, procurar urgentemente se “enterrar em um balanço seguro” de algum desses mastodontes bancos comerciais. Caso contrário, serão fatiados e devorados por centenas de grandes e até pequenos urubus em todo o mundo, como está ocorrendo explicitamente com o falecido Lehman Brothers. Chegou a ser noticiado, na semana, que os brasileiros Itaú e o Unibanco estavam interessados em ficar com os restos mortais do AIG e do Merryll no Brasil. Alguém ainda duvida que o sistema financeiro mundial não é mais o mesmo?
Segundo o FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation- Agência Federal de Seguro de Depósitos), órgão do governo norte americano responsável por garantir as operações do setor bancário, 28 bancos pediram falência nos EUA neste ano, sem contar o pedido desta semana do Lehman Brothers. A percepção dos homens do mercado é que mais uma centena pode ir à lona nos próximos meses. Isso não é coisa pequena, e muito menos acontece a toda hora. Aliás, nunca aconteceu.

LUCRO OU SEGURANÇA?

Vislumbra-se no horizonte de curto-prazo um novo 1929, devidamente ampliado para as atuais dimensões cem vezes maior do capital mundial. Pode ser que não, pode ser que tudo isso talvez ainda possa ser prorrogado (apenas prorrogado) por certo tempo Mas esse cenário de fé nas habilidades regulatórias do Tesouro de Paulson e do Fed de Bernanke é o menos provável neste momento.
O fato é que o moderno, inovador e sólido sistema financeiro dos EUA está derretendo diante dos assustados olhos do mundo capitalista: “O pânico nos mercados de crédito atingiu intensidade histórica, ontem, provocando uma fuga rumo à segurança de intensidade nunca vista desde a Segunda Guerra (1939-45). Os barômetros de problemas financeiros atingiram picos históricos em todo o mundo. O rendimento dos títulos de curto-prazo do Tesouro americano atingiu sua marca mais baixa desde os ataques aéreos alemães contra Londres. Os empréstimos interbancários estão literalmente paralisados, e os investidores estão correndo para retirar seus fundos de qualquer instituição ou setor cujo futuro tenha sido colocado em dúvida... A busca por lucro foi abandonada enquanto os operadores corriam para a segurança dos títulos de curto-prazo do Tesouro, e o rendimento da nota de três meses caiu a apenas 0,03% - semelhante aos níveis que caracterizaram a “década perdida” do Japão. A última ocasião em que o rendimento esteve tão baixo foi em janeiro de 1941. As ações dos dois últimos bancos de investimento de grande porte que mantiveram sua independência nos Estados Unidos, o Morgan Stanley e o Goldman Sachs, despencaram devido à elevação do custo de garantia de suas dívidas, o que coloca em risco a capacidade de ambos se financiarem com recursos do mercado” (Financial Times/Folha, 18/setembro/2008)
Essa descrição do fenômeno é altamente criteriosa. Salienta os sinais mais importantes de uma crise financeira. De uma gigantesca crise financeira, como esta que se vive no momento atual. Nestes momentos de pânico, deve-se acompanhar em primeiro lugar o rendimento dos títulos do Tesouro. E o preço do ouro. São mais importantes para a análise do que os populares índices das bolsas de valores.
O ouro é essa “relíquia bárbara” que ressurge nos períodos de crise com força, como a última e a mais concreta forma-valor do equivalente universal das trocas entre as mercadorias. Antes desta especialíssima semana, o preço do ouro girava em torno de US$ 700 a onça troy. No final da quinta-feira, 18, alcançava US$ 901,30. Isso reflete um processo mais geral de crise, em que se rompe a unidade da valorização: o abstrato valor de troca distancia-se abruptamente do concreto valor de uso. A unidade contraditória do duplo caráter do trabalho contido na mercadoria só poderá ser restaurada de forma altamente violenta.

ALGUÉM PAGA PRA VER?

Os capitalistas preferiam um rendimento praticamente nulo (0,03%) do título do Tesouro de curto-prazo (três meses) a uma taxa de juro interbancário que alcançava no dia 15 o “patamar de pânico” de 5,25%. Na semana anterior, essa taxa ainda girava em torno de um “patamar civilizado” de 2,25%, pouco acima da meta de 2% do Fed. Desde o dia 15, a cena diária mais comum em Wall Street é o caminhão do Bernanke estacionado descarregando uma média de US$ 50 bilhões para tentar trazer a taxa de juros para as proximidades da meta de 2%.
Mas, diz acertadamente Luiz Sergio Guimarães na sexta-feira, 19, em sua coluna diária: “Uma crise de confiança não se resolve com dinheiro. Será preciso uma faxina completa em todas as carteiras. Não basta, como fez o Federal Reserve (Fed) na manhã de ontem, estacionar um caminhão em Wall Street carregado com US$ 250 bilhões. Se a crise é de confiança, o destino do veículo é ocupar poucas e espaçosas garagens, sem transitar pelas vielas mais carentes” (Valor Econômico, 19/setembro/2008).
Embora o pensamento vulgar pense o contrário, essa “faxina completa em todas as carteiras” de que fala Guimarães não é um expediente meramente técnico, uma “teoria dos jogos”, coisa fácil de fazer. Os japoneses que o digam. Acontece que essa “faxina” quer dizer, na prática, deixar as empresas à sua própria sorte, livres para uma bestial (e universal) quebradeira.
Lembremos também ao pensamento vulgar que estamos tratando da Economia Política. Então, os capitalistas deveriam estar politicamente decididos a liberar as forças mais primitivas, caóticas, internas ao processo de acumulação, abrindo-se então um período altamente destrutivo e violento em todos os sentidos – econômico, político, geopolítico e finalmente, social. Todo mundo bem informado sabe como começa essa restauração daquela unidade perdida entre “quantidade e preços”, enigma indecifrável para os economistas vulgares, mas ninguém (realmente ninguém) sabe como termina.
Os capitalistas estão decididos a pagar para ver? Longe disso. Nunca pagaram, em nenhum momento da história desse regime. Sabem há muito tempo que no longo-prazo todos eles estarão mortos. Assim, enquanto a realidade permitir, é mais prudente jogar os “junk bonds” [porcaria, títulos sem valor] para debaixo do tapete agora, e deixar a necessária “faxina completa” para o próximo ciclo. É o que estão fazendo há muito tempo.
É por causa desse pragmatismo frente às crises periódicas que o apelido de Greenspan (Presidente do Fed de 1987 a 2004) é de “assoprador de bolhas”. O fato é que ninguém faria diferente. Só nos manuais de asneiras econômicas é possível se imaginar saudáveis situações de “destruição criativa” e outras frescuras acadêmicas.

CAMINHÕES DE DINHEIRO

Os capitalistas (e a sabedoria popular) continuam achando que qualquer crise financeira pode ser resolvida com dinheiro, com frotas de caminhões (ou de helicópteros) do Tesouro e do Fed carregadas de dinheiro.
Eles não têm muito tempo para pensar se a realidade não é mais a mesma dos ciclos anteriores, em que eles ainda podiam assoprar impunemente bolhas cada vez maiores. Como bravos capitalistas, tratam de agir antes e pensar depois. Como? Assoprando agora bolhas muitíssimas vezes maiores que as de Greenspan: entre quinta e sexta-feira o governo dos EUA anunciou um acordo entre o Executivo e o Congresso de um astronômico plano de resgate dos ativos subprime podres do sistema imobiliário:
“O secretário do Tesouro anunciou a criação de um fundo de ‘centenas de bilhões de dólares’ para estancar a crise dos mercados financeiros mundiais. O fundo será responsável por adquirir os créditos podres do mercado imobiliário – os empréstimos de alto risco que não vêm sendo pagos pelos mutuários. Segundo Paulson, há cerca de 5 milhões de americanos com problemas para pagar o financiamento ou que já tiveram os imóveis retomados pelos bancos” (Globo.com, 19/09/2008).
E se alguém disser aos responsáveis por esse pacote que a causa da atual crise financeira mundial não é a existência dos “créditos podres do mercado imobiliário” que o governo dos Estados Unidos pretende adquirir com “centenas de bilhões de dólares” que devem ser pagos com o estouro definitivo do orçamento público? Diagnóstico errado, remédio errado e, como resultado, agravamento ainda maior da doença.
Supõe-se, também, que, com esse pacote, entre mortos e feridos salvam-se todos. Volta tudo e todos a circular como antes da crise. Tenta-se, na verdade, a mesma coisa que se fazia Greenspan nos ciclos anteriores: evitar a “faxina completa” e a conseqüente quebradeira global. Tenta-se evitar, sem qualquer prejuízo para a classe capitalista, que ocorra agora na maior economia do planeta a catástrofe econômica que aconteceu, por exemplo, na Argentina no último período de crise, entre 2000 e 2002.
As bolsas de todo mundo reagiram ao anúncio do pacote de Washington com uma estrondosa disparada. As asiáticas (incluindo as falidas de Xangai e Shenzen) subiram em média 10% na madrugada de sexta-feira. As demais bolsas do mundo ocidental seguiram a mesmo ritmo insano no decorrer do dia.
Esse histerismo dos capitalistas tem fôlego curto, pois se assenta no desconhecimento das causas e dos remédios para o problema real. Logo voltarão ao estado depressivo, quer dizer, ao leito natural do final de um ciclo periódico muito especial, que, objetivamente falando, pode levar o sistema global a uma catástrofe cem vezes mais potente que a de 1929.
O que está em jogo, aqui, é mais do que uma questão teórica; é um problema crucial que só o próprio desdobramento da realidade da superprodução de capital poderá equacionar. Não será necessário esperar muito tempo para conferir essa disputa fatal para o futuro da humanidade. Nas próximas semanas já teremos os primeiros sinais das verdadeiras tensões internas de arrebentamento do sistema.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

1º de Maio de Luta

A população trabalhadora continua vivendo em condições precárias submetida ao modelo econômico neoliberal que há quase 20 anos vem aprofundando a exploração e a miséria.
Temos presenciado uma onda conservadora em nossa sociedade que está em sintonia fina com o grande capital.
O governo Lula não passa de um instrumento de continuidade do modelo neoliberal, sem nenhuma diferença substancial do governo FHC. As grandes empresas que atuam no país em quatro anos dobraram os seus lucros graças a superexploração dos trabalhadores, retirando direitos e arrochando os seus salários.
Os investimentos em importantes áreas como educação, saúde, moradia e outros são cortados a cada mês para o governo Lula cumprir o seu pagamento religioso dos juros da dívida pública.
A reforma agrária não se concretiza porque o governo prioriza o agronegócio, a industrialização no campo para exportação dos produtos primários que vem explorando e aumentando a escravidão de inúmeros trabalhadores rurais.
No Estado de São Paulo, Serra vem liquidando os serviços públicos através das privatizações, atacando o funcionalismo de forma totalitária e criminalizando os movimentos sociais junto com o governo Lula.
O 1º de Maio é um dia de luta da classe trabalhadora em defesa do emprego, do salário, da moradia e dos direitos sociais. Lutamos por reforma agrária e urbana contra concentração de terras e imóveis, estaremos reafirmando a nossa independência de classe neste dia de luta ao contrário da CUT e da Força Sindical que fazem festas patrocinadas pelos patrões.
E relembraremos o histórico 1º de Maio de 1968 na Praça da Sé que há 40 anos os trabalhadores derrubaram o palanque dos pelegos e colocaram para correr os mesmos e o governador biônico da ditadura militar Abreu Sodré.
A ALS está neste 1º de Maio de Luta está reafirmando com o conjunto das organizações da classe trabalhadora a independência de classe, a unidade dos lutadores e lutadoras sociais na luta contra o neoliberalismo, na construção de uma nova central sindical com a fusão da Conlutas e da Intersindical, estamos na construção do PSOL como um partido socialista com ampla presença no movimento de massas e na luta por uma nova sociedade sem explorados e exploradores, uma sociedade socialista.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

VELHOS NOVOS TEMPOS

A secretária de educação Maria Helena Guimarães Castro, logo que assumiu, anunciou pela imprensa escrita num domingo 19 de agosto, uma suposta nova agenda para a educação. Foi a primeira manifestação, logo após assumir a pasta, e uma semana antecedendo a manifestação unificada dos trabalhadores em educação. A tal agenda anunciada à época, por ela incluía: a propagandeada professora auxiliar nas séries iniciais do ensino fundamental; acelerar a municipalização de 1ª à 4ª séries, e a avaliação das unidades escolares para premiação. Propunha ainda as dez metas, alardeada como a solução definitiva para o ensino público em SP.

Seguiu-se, a esse anúncio uma avalanche de matérias nos jornais, atacando os professores, buscando levar a sociedade a acreditar que estes, são irresponsáveis, pouco empenhados e que faltam muito ao trabalho; gerando péssima qualidade de ensino, refletindo nos resultados obtidos pelos estudantes paulistas nas avaliações institucionais.

O ano de 2007 transcorreu então, com várias manifestações do magistério na luta pela garantia de direitos, pois, pelo que se avizinhava o ataque seria ferrenho, tanto no campo salarial quanto na garantia mínima de condições de trabalho, para um mínimo de qualidade.

No mês de dezembro, ao fim do ano letivo, uma série de decretos, artigos resoluções, foi publicada, entre eles o fim da escolha do coordenador pedagógico pelos seus pares, a redução salarial de boa parte dos professores através da extinção do adicional de local de exercício, e ainda a sonegação de aulas aos alunos com a redução na matriz curricular das disciplinas de caráter critico, como filosofia, sociologia e geografia.

VEJA - Um novo ataque foi desferido através da revista Veja, publicada no dia 13 de fevereiro de 2008, onde, a senhora secretária diz que os professores estão numa zona de mediocridade, ofendendo todo o professorado paulista, não parando por aí, desqualificando também o trabalho dos diretores a quem ela chama de incompetentes e todo corpo acadêmico da área pedagógica brasileira. Lança ainda a idéia de que o professor deve ter prêmio por merecimento e não salário.

Diante dessas declarações e do empenho em editar as mais diversas medidas, nos cabe analisar o que tal movimentação da secretaria amparada por intensa propaganda midiática depreciando os trabalhadores em educação, representa de fato para a “melhoria” do ensino público nesse estado que amarga os piores índices da união.

A política da Secretária tem como objetivo realinhar o projeto de governo para a educação iniciado há tempos atrás desde que assumiu a pasta a senhora Rose Neubauer, no governo Mario Covas. Ela deu inicio ao projeto de desmonte do ensino em São Paulo, seguindo a batuta do Banco Mundial, que através do MEC lançou mão dos instrumentos para desenvolver suas políticas em sintonia com os interesses dos organismos financeiros internacionais que por sua vez representa o grande capital estrangeiro. Nesse ministério, então, estava como secretária executiva à professora Maria Helena Guimarães Castro.

A senhora Neubauer, por sua vez, em São Paulo, desencadeou à época o desmembramento das escolas, preparando para a municipalização que teve início a partir de 97, o que foi amplamente denunciado como sendo danoso à educação por seu caráter impositivo e meramente contábil, buscou imprimir uma gestão empresarial às escolas, é bom nos lembrarmos dos circuitos gestão, e a busca frenética de números positivos na relação aprovação/reprovação na pseuda progressão continuada (aprovação automática) levando a uma pressão imensa sobre os professores, para que aprovassem alunos sem as devidas condições de prosseguirem nas séries seguintes, fato também amplamente denunciado pela imprensa, superlotou as salas, o que possibilitou reduzir o quadro de professores, ainda tentou através de avaliações e cores classificar as escolas (no entanto, essa medida tendo uma péssima repercussão caiu no esquecimento). Todas essas medidas acompanhadas de outras como a promulgação da lei 836/97 (transformava a hora aula em hora relógio o que reduziu na prática o números de horas de permanência do estudante na escola), a utilização do bônus mérito como forma de amordaçar os professores (percebe-se aqui que a premiação por mérito está implantada desde 2001 sem alterar em nada a qualidade), redução no número de aulas como biologia, levou ao estado de coisas atual.

Nesse sentido, percebemos então que o conteúdo da proposta não trás nada de novo (no entanto, Maria helena não é Rose, visto que a atual, para implantar seu projeto ataca em duas frentes, destruir a imagem dos professores, e a própria gestão democrática presentes nos manuais e na legislação), é na realidade a retomada de uma política que vinha sendo implantada e que após muitas lutas, como foi o caso da greve de 2000 e a manifestação 2005 pôs freio a esse ímpeto neoliberal, revertendo algumas medidas, como por exemplo, a reintrodução de mais uma aula tanto de história como de geografia que foram retiradas nesse processo e colocando em pauta a situação precária em que se encontra o ensino.

No tocante ao professorado o governo desde aquela época vem tentando transferir a responsabilidade, atribuindo a culpa aos mestres, desviando a atenção da sociedade do viés político. Bem pelo contrário, os professores nunca aceitaram a pecha de culpados, e apontam a todo instante as medidas necessárias para melhoria na qualidade da educação para os nossos alunos, qual seja: piso do DIEESE por R$ 1.924,54; redução do número de alunos por sala de aula, reabertura das escolas, períodos e turnos fechados; volta da grade curricular de 97 com introdução de sociologia e filosofia; gasto de 7% do PIB em educação; contratação de funcionários via concursos públicos conforme determina a constituição federal; condições de trabalho com oferta de material necessário para um bom desempenho da nossa função. Todos esses fatores que deveriam ancorar uma nova agenda de fato comprometida com melhoria na qualidade da educação, não são citados em nenhum momento, no último período, tão pouco faz parte dos planos do governo, portanto, as tantas medidas que começam a ser implantadas tem objetivo oposto ao que é tornado público, melhoria no ensino estatal.

Diante desse quadro, o empenho na consolidação de uma política que vem promovendo em doses a destruição do ensino, os professores devem cumprir o papel que a sociedade sempre esperou deles sendo depositário fiel da esperança de transformação da educação pública no melhor instrumento na formação de melhores homens e mulheres, fazendo frente e derrotando as políticas de governos alinhados com interesses alheios aos da sociedade.

São Paulo, março de 2008.

DEGA